terça-feira, 21 de abril de 2020

Banheiro sem portas



   Imagine a coisa mais bizarra que alguém possa fazer dentro de um banheiro... É isso mesmo que você imaginou!!
    Ninguém quer saber o que as pessoas fazem dentro de banheiros. Apesar de previsíveis nem todas essas coisas são óbvias, pessoas podem fazer coisas muito estranhas dentro deste recinto. É por isso que banheiro tem portas e é por isso que frequentemente é chamado de "privada". Mas por incrível que pareça muitas pessoas querem saber, não é incomum aqueles engraçadinhos que ficam olhando no buraco da fechadura ou colocando espelhinho no vão da janela, os mais tecnológicos podem até usar sistema de câmeras.
  Mas isso não é crime? 
  Sim, isso é crime. Passível de punição severa. Existe até uma legislação específica para isso. É claro que depende da gravidade da situação e do uso da informação obtida através da curiosidade. Por isso vou falar dessa curiosa característica humana e de um certo valor atrelado a ela. A privacidade.
  Privacidade é aquele direito que a pessoas tem de resguardar tudo aquilo que não diz respeito a mais ninguém além dela mesma. É um direito inviolável e inalienável. Quer um exemplo? A mente é a fortaleza mais segura para se guardar informações sigilosas, ninguém pode exigir que alguém expresse seus pensamentos e sentimentos a respeito de qualquer assunto. Qualquer tentativa de fazer isso, seja através da persuasão ou outros métodos como uso de psicotrópicos ou hipnose sem consentimento da vítima é considerado crime contra a privacidade. 
  Entretanto a curiosidade move pessoas no sentido de dissuadirem outras em benefício de terem para si revelados os seus segredos mais íntimos. Também é ela que faz curiosos fuçarem em coisas alheias. Armários, gavetas, bolsas, compartimentos secretos, computadores e telefones celulares são com frequência os alvos mais comuns. Uma palavra, um nome, um telefone, um objeto diferente, qualquer coisa ligeiramente incomum é suficiente para atiçar a imaginação do curioso que via de regra termina descobrindo o que não quer. O constrangimento em descobrir o esqueleto guardado no armário do vizinho fatalmente vai criar mais embaraço para o investigador do que para o próprio investigado já que a maioria das vezes não vai poder revelar suas descobertas sob risco de levar reprimendas a respeito do que estava fazendo revirando o que não lhe pertence. Por outro lado o dono do armário não tem nada a esconder de si mesmo. Ademais, as consequências pelo ato cometido pertencem ao ator. Se você descobriu o que não queria mexendo onde não devia vai ter que carregar essa culpa pro resto da vida. A responsabilidade é só sua.
  Pode parecer uma redundância mas a sua intimidade pertence única e exclusivamente a você. Para trás dos seus cinco sentidos tudo o que acontece está no reino do pessoal e não é sábio compartilhar isso sob pena de dar munição para os estratagemas de pessoas mal intencionadas que não hesitarão em usá-los para obter vantagens. Quais vantagens? Todas possíveis. Financeiras, pessoais, sexuais enfim... Todo cuidado é pouco quando se trata de exposição. 
   Pessoas extremamente presunçosas tendem a antecipar as ações de outrem baseadas em pequenos fragmentos de informação, é o que chamam orgulhosamente de intuição ou "sexto sentido". Esses espólios de guerra arduamente conquistados nas batalhas do relacionamento humano são também usados como iscas em uma jogo nefasto baseado em mera especulação a respeito de fatos não confirmados que poderiam ser interpretados como "verdadeiros" caso a vítima as engolisse. Essa técnica asquerosa e nojenta é usada por diversas pessoas do submundo dos jogos psicológicos e está associada à uma expressão: "jogar verde para colher maduro". Costumam achar que através dela encontraram uma verdade insofismável.
  Quem nunca... em um relacionamento ouviu a contraparte dizer "gostaria de saber o que você está pensando"? Essa ingênua insinuação poderia facilmente se transformar em uma invasão de privacidade consentida não obstante seja obrigado a concordar sob pena de voto de desconfiança. 
  Mas, e você? Gostaria de saber? Sente-se preparado pra isso? Existem pessoas que acham que sim. Elas escrutinariam cada cluster do seu HD para conhecer cada detalhe da sua vida privada. A neurose e paranóia chega a tal nível que qualquer ponto fora da curva se transforma em uma intrincada conspiração para fazê-las infelizes. Querem saber se vc está comprometido com elas cada byte do seu software e se não estiver é como se nada mais fizesse sentido porque essas pessoas não aprenderam a lição mais básica da vida: "It's not about you" Disse a Maga Suprema ao Dr. Estranho.
  Elas precisam aprender que o mundo não gira em torno de seus umbigos. Somos 7 bilhões de habitantes no mundo, cada um com um universo próprio, grande parte com uma realidade dedicada a si mesmo e sobretudo, cada um com sua privacidade. Cada um tem um universo ao redor do umbigo que colide a todo tempo com os outros para o bem do equilíbrio do todo.
  Devemos aprender que para viver em um sistema tão complexo não podemos ser personalistas nem em questões pessoais. Eu costumo dizer que pessoas não tem defeitos ou qualidades e sim características. O conjunto destas é que irão definir o nível de sobrevivência em nossas relações interpessoais. Infelizmente, me parece, de uma maneira geral que o conhecimento da intimidade de uma pessoa tem sido inversamente proporcional ao respeito atribuído a ela. 
  Dizem que a intimidade destrói qualquer relacionamento, não pelo que pode se descobrir um do outro mas pelo despreparo em lidar com aquilo que é mais caro e inviolável a qualquer ser humano, a sua própria identidade. A intolerância e a dificuldade de ver o outro em si mesmo, a falta de empatia porque queremos ver refletida no outro a imagem de nossa própria conduta de ilibada falsa moral. Enquanto espécie tendemos a destruir aquilo que não compreendemos e tememos. E o que mais tememos é nos tornar aquilo que não compreendemos e combatemos.
  Existem pessoas que preferirão deixar o seu banheiro sem portas. É uma opção e é bem pessoal. Apesar de caber a cada um a decisão de espiar ou não por entre o vão cabe avisar que nem todo banheiro é perfumado e o cheiro que exalar pode não ser nada agradável. É notório que temos visto muito disso ultimamente.

Oldair Vieira

2 comentários:

Maria Lucinete disse...

"O que a gente faz
É por debaixo do pano
Pra ninguém saber".


Uns vivem de privacidade; outros de publicidade. Uns utilizam o orifício próprio para defecar; já outros defecam pela boca mesmo. Até autoridades têm usado muito essa técnica. Há também os que se trancam numa cada para se tornarem públicos. Também tem aqueles que se cobrem com o edredom, esperando ter sua privacidade invadida.
Em tempos de estupidez, nunca se viu tanta merda. Fechando ou não a porta do banheiro, a danada exala e invade nossas vidas.
Mas é bom ter cuidado com a privacidade de seus cartões e de seus números, pois se alguém tiver acesso a eles, aí você estará perdido. Por quê?

Por que...

"Se eu ganho mais
É por debaixo do pano
O que vou perder".

EdiSilva disse...

Muito interessante.]
Às vezes a tentação é grande, mas os resultados podem ser complicados.
Respeitar os limites sempre é a melhor política.