domingo, 12 de abril de 2020

O formigueiro e as estrelas



   Há muitos anos atrás, acho que nos anos 90 eu estava voltando de uma consulta que havia ido fazer no centro de saúde que fica próximo a minha residência. Andava distraído pelo canteiro central entre as duas pistas que formam a Via Oeste numa época quando ainda não havia calçamento então parte do trajeto era pisar em capim, coisa que não é muito prática para quem usa bengalas. Chegando próximo ao paralelepípedo para atravessar a pista não me dei conta de um formigueiro que jazia escondido por baixo da vegetação e apoiando ali a muleta esta afundou prontamente para dentro do buraco em uma medida de uns 60 centímetros. Rápido como um raio um número bom de formigas subiram pelo meu braço e me deram várias ferroadas doloridas. Essa agonia durou uns 5 dos aproximadamente 42 milhões de minutos de uma vida humana (guardem esse número). 
    Esses poucos minutos permaneceram como um flash de memória na minha história, é algo que eu lembro eventualmente. Agora vamos imaginar por um instante que a formiga seja uma criatura senciente e o formigueiro uma sociedade desenvolvida a ponto de replicar suas experiências para a posteridade através de outras gerações. A maioria das formigas vivem pouco mais de 10 semanas, aproximadamente 0,3% de uma vida humana. Como elas descreveriam o fato citado anteriormente do ponto de vista da sua sociedade? Vamos lá, usar a imaginação...
   "Eis que no período da grande rainha, no 13º ciclo um fato inesperado aconteceu. As formigas operárias estavam em seu turno cavando a sessão 47-B quando uma súbita invasão começou. Um objeto desconhecido de proporção colossal feito de um material totalmente desconhecido penetrou em nossas cavernas com uma violência nunca vista antes assassinando dezenas de operários e ameaçando toda a colônia. Atônitos aguardamos ordens dos líderes superiores enquanto o objeto permanecia imóvel. Depois de alguns ciclos, sem nenhuma reação do objeto foi decidido que deveríamos contra atacar com o objetivo de expulsar o invasor. Foram designados grupos de assalto para escalar a estrutura e procurar um ponto de entrada na coisa. Ao alcançar a estrutura na altura da entrada da colônia os soldados perceberam se tratar de algo muito maior e que uma criatura gigantesca comandava a invasão. Sem alternativas e em um esforço desesperado os soldados usaram as únicas armas que dispunham, suas presas. Essa batalha durou muitos ciclos com os soldados dando as suas vidas enquanto a criatura se contorcia e os esmagava. Muitas baixas foram registradas mas inesperadamente a guerra foi vencida, a sonda foi retirada e o intruso se foi. Os mortos foram homenageados, a colônia estava a salvo novamente."
   Essa estória passaria a ser contada através de gerações de formigas ao longo de seus ciclos de existência. 
   Notem que aqui a percepção do deslocamento do tempo é diferente para cada espécie (lembrem do número), isso já foi comprovado pela ciência e também pode ser constatado facilmente. Tente pegar uma mosca, não vai conseguir porquê para a mosca você se move como uma tartaruga e uma mosca vive menos que uma formiga.
   Isso não te lembra de certos textos antigos que descreviam a visita de seres especiais (ou espaciais) vindo de outros lugares desconhecidos? Para as formigas da estória a visita foi um evento histórico, elas passariam a se preparar para uma nova aparição dessa criatura e em gerações futuras, devido as distorções provocadas pela tradição oral criariam até um calendário para a esperada volta. Para mim, o invasor, não passou de um acidente corriqueiro conhecido como "o dia em que tropecei no formigueiro". 
   Sim, existe a real possibilidade de civilizações extremamente desenvolvidas ética e tecnologicamente estarem viajando pelo espaço neste e em qualquer momento da escalada humana. Sim, é possível que já tenham passado por aqui em algum momento. 
    Na vastidão do espaço infinito devem existir infindáveis rotas de tráfego desses veículos formidáveis e o nosso planeta pode muito bem estar próximo a uma delas. Há centenas, senão milhares de encontros relatados com esses visitantes, a maioria sendo fraudes ou má interpretação de fenômenos corriqueiros porém uma quantidade expressiva não tem explicação possível. 
   Mas o que devemos esperar disso? Porquê devemos achar que essas inteligências querem algo conosco? Podemos apenas estar sendo observados como um iguana o foi por Darwin nas ilhas Galápagos. Ele esteve lá por um tempo e depois foi embora, se o iguana esperava que ele voltasse certamente se decepcionou. 
   Se nem sequer alcançamos o status de civilização desenvolvida a ponto de resolver problemas básicos como a fome e a guerra como podemos esperar que tais civilizações com o domínio das excursões intergalácticas se interessem em nos contactar? Olhamos para o céu e vemos miríades de estrelas que um dia sonhamos conquistar, olhamos para o lado e não vemos milhões de pessoas com fome. Para quem olha de fora o planeta Terra deve parecer uma selva onde quem pode mais subjuga o outro, mas ao invés de ser de forma natural e instintiva tem sido de forma covarde e desumana. Quem se interessaria por isso? 
   Mas a espécie humana, do topo da sua arrogância e se sentindo a coroa da criação se traveste de importância capital no equilíbrio das forças cósmicas e dos orbes que populam o tecido espacial. Quanta pretensão! Entre os teóricos da bizarrice há ainda aqueles que acreditam que podemos servir de alimento ou produto de tráfico para outras espécies assim como fazemos aqui. Talvez. Quem saberá? 
   Então em que ponto estamos mais evoluídos do que as formigas em termos de sociedade para merecermos uma olhada mais cuidadosa dos nossos visitantes esporádicos? E devemos esperar por isso? Se sim, não seria mais coerente organizarmos primeiro o nosso formigueiro?

Oldair Vieira

Um comentário:

Roberto Mota disse...

Sim. primeiro o nosso formigueiro.